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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sobre a Marcha da Liberdade

Num espetáculo que lembra alguns dos piores momentos da repressão da ditadura militar, há alguns dias atrás a polícia militar de São Paulo reprimiu violentamente uma marcha pacífica pedindo a legalização do uso da maconha:


Apesar da ação desnecessariamente violenta, notei uma certa insensibilidade por parte de inúmeros setores da sociedade. Mesmo entre pessoas razoavelmente esclarecidas, parece que o verdadeiro significado do que aconteceu passou desapercebido.

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que não sou usuário de nenhum tipo de droga ilícita (na verdade não sou consumidor nem mesmo de álcool ou de cigarros). E nem tenho opinião formada a respeito da liberação ou não das chamadas drogas leves. Este post nada tem a ver com esta questão que, a meu ver, têm sido debatido de forma bastante superficial (tanto por aqueles que são a favor da liberação como por aqueles que são contra).

O ponto principal desse post é a negação ao direito básico à liberdade de expressão de pessoas que apenas procuravam expressar sua opinião de que a maconha deveria ser liberada. Não importa aqui o mérito da tese sendo defendida. Não importa o que eu, você, o Papa ou o Coelhinho da Páscoa pensamos a respeito, essas pessoas têm o direito à expressar sua opinião. Ninguém, nem eu, nem você, nem o sr. governador Geraldo Alckmin temos o direito de restringir o direito à livre-expressão dessas pessoas.

Um dos pilares sobre o qual se sustenta a democracia é a liberdade de expressão. Não importa se a marcha é pela libertação feminina, se é pela liberação de drogas, se é de apoio aos ruralistas, mesmo pela volta da monarquia. Enquanto a manifestação for pacífica e respeitar a lei, ela deveria ser permitida e não reprimida com violência.

Alguns tentam justificar o incidente com o argumento de que a marcha expressa apologia ao uso de drogas e que é, portanto, ilegal. Nada poderia ser mais falso. Apologia é dizer: "Fume maconha!". Quando alguém diz "Sou favorável à legalização do uso de maconha." não é apologia, é liberdade de expressão.

Se alguns (ou até vários) dos manifestantes acenderam seus baseados durante a marcha, que se responsabilize esses indivíduos por suas ações ilegais. Agora, generalizar aquilo que é uma manifestação de livre-expressão, por conta da ação ilegal de alguns (ou mesmo vários) manifestantes, é inadimissível.

Por bons ou maus motivos, o fato é que os "maconheiros" não são um grupo que desperta muita simpatia por parte da sociedade. Talvez por isso a repercussão do episódio tenha sido pequena, mesmo em setores considerados progressistas. A despeito da gravidade do ocorrido, o número de blogs que trataram do episódio foi pequeno. Mas é bom lembrar que a restrição de liberdade sempre começa com episódios contra minorias ou grupos de baixa popularidade. O que aconteceu foi grave e é preciso a compreensão da maioria da população de que o que houve ali foi uma forma de censura.

Agora foram os "maconheiros", mas no futuro quem sabe quem será a próxima vítima? Pode ser eu ou você. A criação de um precedente de restrição à liberdade de expressão é sempre muito grave e por isso é importante que todos nós manifestemos publicamente nossa opinião de repulsa à posição da justiça de proibição à Marcha da Liberdade que acontecerá amanhã em São Paulo.

Pra quem não se importa com o que aconteceu só porque dessa vez as vítimas foram "maconheiros", deixo aqui um poema de Brecht para reflexão:

"Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo"
(Bertold Brecht)